sábado, janeiro 17, 2009
a verdade
Para ser absolutamente honesto, arrependi-me de ter proposto este artigo no momento em que me sentei ao computador para começar a escrevê-lo. Esta é a história de um movimento chamado Honestidade Radical. Segundo o seu fundador, o psicoterapeuta americano Brad Blanton, de 66 anos, “todos seríamos mais felizes se deixássemos de mentir”. Como a personagem de Jim Carrey no filme “O Mentiroso Compulsivo” deveríamos contar sempre a verdade, não apenas durante um dia mas por toda a vida. Isso implicaria abandonar mesmo aquelas mentiras mais pequenas e insignificantes, incluindo as “piedosas”, as meias verdades que adoptamos para não ferir os egos daqueles com quem nos relacionamos.
No mundo da Honestidade Radical, eu não poderia mais esboçar um sorriso amarelo e desviar o assunto sempre que uns pais babados me perguntassem se o filho acabado de nascer, ainda roxo e enrugado, não era a criança mais bonita que já vi. Segundo Blanton, mesmo essas verdades reprimidas devem ser expressadas. “Se o pensas, afirma-o.” Só assim se poderá abrir o caminho à verdadeira comunicação.
Sociedade admite ‘pequenas mentirinhas’
O psicólogo Rui Manuel Carreteiro admite que, do ponto de vista clínico, a teoria tem alguma razão de ser. “A saúde mental só pactua com a verdade. Muitas vezes, a mentira, o delírio ou a negação parecem o melhor caminho, mas os resultados nem sempre são positivos.” Carreteiro sublinha, contudo, que a sociedade está instaurada de forma a admitir, e até encorajar, as “pequenas mentirinhas” e que, por isso, há limites e formas de expressar a nossa honestidade. “Muitas vezes, a mentira seria desnecessária se tivéssemos a coragem e o bom senso de expressar a verdade com as devidas maneiras. Entre ‘Essa saia fica-te horrível’ e ‘Fica-te mesmo bem’, há espaço para uma sinceridade que nos tornaria mais fiéis, amigos e verdadeiros.”
Blanton, claro está, discorda. Se uma amiga mais rechonchuda pergunta como lhe assenta o novo vestido, devemos ser frios como o Dr. House: “Faz-te parecer mais gorda.” Se temos fantasias sexuais com a cunhada, devemos não só dizê-lo a ela como confessá-lo à nossa companheira. Teorias como estas talvez expliquem o porquê de este profeta da verdade ir já no quinto casamento (com uma hospedeira sueca 26 anos mais nova que ele) e partilhar detalhes da sua vida sexual como quem fala do que comeu ao almoço: “Dormi com mais de 500 mulheres e meia dúzia de homens. Tive vários trios. Num deles, havia uma prostituta hermafrodita”, admitiu à revista “Esquire”. Afirmações como esta ajudarão certamente a vender muitos livros, mas imagino como seria o mundo se triunfasse a Honestidade Radical. Resistiriam os casamentos e as amizades? Sobreviveriam os nossos egos? Aumentaria o desemprego? Mudariam os políticos de profissão? “Um mundo onde só existisse honestidade seria um lugar pior e não melhor”, conclui Núria Blanco, uma tradutora de 29 anos. “Podemos escolher não contar às pessoas coisas que só as vão magoar. Há coisas que elas não precisam que lhes digam.”
David Smith, psicólogo e autor de “Por que Mentimos” (versão brasileira), concorda. “Se todos fossem completamente honestos, seria o fim da sociedade humana”, afirmou ao “Expresso”. Já o dizia o poeta e humanista alemão Sebastian Brant há mais de meio milénio: “O mundo deseja ser enganado.” Se assim não fosse, viveríamos provavelmente em pequenas guerras civis circunscritas ao nosso círculo de relações. “A verdade”, defendia o psicólogo austríaco Alfred Adler, “é, muitas vezes, uma terrível arma de agressão. Usando-a, é possível mentir e até matar”.
Mentira é usada para sobreviver
A verdade nua e crua é que todos mentimos, “todos os dias, a todas as horas, na alegria e na tristeza”, como escreveu Mark Twain num ensaio sobre a arte de mentir. A maioria de nós não somos mentirosos compulsivos e patológicos como a personagem de Jim Carrey, mas todos soltamos aqui e ali pequenas mentiras para não ferir os sentimentos de alguém ou para fugir a uma situação que não desejamos. Afinal, a mentira e a dissimulação são tão naturais como a própria vida. Não se camuflam várias plantas e animais para conseguir alimento ou enganar os predadores? “Tal engano não se trata de um simples jogo: os animais cujos disfarces não funcionam, não sobrevivem”, garante o psiquiatra Rui Coelho. Pois também o Homem, qual camaleão, usa a mentira para sobreviver em sociedade.
Já com o artigo pronto, recebi a resposta de Brad Blanton a duas perguntas que lhe havia colocado. Quis saber se a Honestidade Radical não poderia conduzir facilmente à crueldade radical e a um mundo com pequenas guerras civis a cada esquina. A sua resposta: “Faça a merda do seu trabalho de casa. Fez-me as mesmas perguntas superficiais e ignorantes de sempre. A resposta à pergunta um é Não e a resposta à pergunta 2 é Não. Faça o seu trabalho de casa com seriedade ou beije-me o cu.” Que tal isto para Honestidade Radical?
Nelson Marques in Expresso
roubado daqui
No mundo da Honestidade Radical, eu não poderia mais esboçar um sorriso amarelo e desviar o assunto sempre que uns pais babados me perguntassem se o filho acabado de nascer, ainda roxo e enrugado, não era a criança mais bonita que já vi. Segundo Blanton, mesmo essas verdades reprimidas devem ser expressadas. “Se o pensas, afirma-o.” Só assim se poderá abrir o caminho à verdadeira comunicação.
Sociedade admite ‘pequenas mentirinhas’
O psicólogo Rui Manuel Carreteiro admite que, do ponto de vista clínico, a teoria tem alguma razão de ser. “A saúde mental só pactua com a verdade. Muitas vezes, a mentira, o delírio ou a negação parecem o melhor caminho, mas os resultados nem sempre são positivos.” Carreteiro sublinha, contudo, que a sociedade está instaurada de forma a admitir, e até encorajar, as “pequenas mentirinhas” e que, por isso, há limites e formas de expressar a nossa honestidade. “Muitas vezes, a mentira seria desnecessária se tivéssemos a coragem e o bom senso de expressar a verdade com as devidas maneiras. Entre ‘Essa saia fica-te horrível’ e ‘Fica-te mesmo bem’, há espaço para uma sinceridade que nos tornaria mais fiéis, amigos e verdadeiros.”
Blanton, claro está, discorda. Se uma amiga mais rechonchuda pergunta como lhe assenta o novo vestido, devemos ser frios como o Dr. House: “Faz-te parecer mais gorda.” Se temos fantasias sexuais com a cunhada, devemos não só dizê-lo a ela como confessá-lo à nossa companheira. Teorias como estas talvez expliquem o porquê de este profeta da verdade ir já no quinto casamento (com uma hospedeira sueca 26 anos mais nova que ele) e partilhar detalhes da sua vida sexual como quem fala do que comeu ao almoço: “Dormi com mais de 500 mulheres e meia dúzia de homens. Tive vários trios. Num deles, havia uma prostituta hermafrodita”, admitiu à revista “Esquire”. Afirmações como esta ajudarão certamente a vender muitos livros, mas imagino como seria o mundo se triunfasse a Honestidade Radical. Resistiriam os casamentos e as amizades? Sobreviveriam os nossos egos? Aumentaria o desemprego? Mudariam os políticos de profissão? “Um mundo onde só existisse honestidade seria um lugar pior e não melhor”, conclui Núria Blanco, uma tradutora de 29 anos. “Podemos escolher não contar às pessoas coisas que só as vão magoar. Há coisas que elas não precisam que lhes digam.”
David Smith, psicólogo e autor de “Por que Mentimos” (versão brasileira), concorda. “Se todos fossem completamente honestos, seria o fim da sociedade humana”, afirmou ao “Expresso”. Já o dizia o poeta e humanista alemão Sebastian Brant há mais de meio milénio: “O mundo deseja ser enganado.” Se assim não fosse, viveríamos provavelmente em pequenas guerras civis circunscritas ao nosso círculo de relações. “A verdade”, defendia o psicólogo austríaco Alfred Adler, “é, muitas vezes, uma terrível arma de agressão. Usando-a, é possível mentir e até matar”.
Mentira é usada para sobreviver
A verdade nua e crua é que todos mentimos, “todos os dias, a todas as horas, na alegria e na tristeza”, como escreveu Mark Twain num ensaio sobre a arte de mentir. A maioria de nós não somos mentirosos compulsivos e patológicos como a personagem de Jim Carrey, mas todos soltamos aqui e ali pequenas mentiras para não ferir os sentimentos de alguém ou para fugir a uma situação que não desejamos. Afinal, a mentira e a dissimulação são tão naturais como a própria vida. Não se camuflam várias plantas e animais para conseguir alimento ou enganar os predadores? “Tal engano não se trata de um simples jogo: os animais cujos disfarces não funcionam, não sobrevivem”, garante o psiquiatra Rui Coelho. Pois também o Homem, qual camaleão, usa a mentira para sobreviver em sociedade.
Já com o artigo pronto, recebi a resposta de Brad Blanton a duas perguntas que lhe havia colocado. Quis saber se a Honestidade Radical não poderia conduzir facilmente à crueldade radical e a um mundo com pequenas guerras civis a cada esquina. A sua resposta: “Faça a merda do seu trabalho de casa. Fez-me as mesmas perguntas superficiais e ignorantes de sempre. A resposta à pergunta um é Não e a resposta à pergunta 2 é Não. Faça o seu trabalho de casa com seriedade ou beije-me o cu.” Que tal isto para Honestidade Radical?
Nelson Marques in Expresso
roubado daqui
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